sábado, 23 de maio de 2009

Notas sobre a queda do -g- em mirandês (1)


Estas notas fúrun screbidas an 2003, eiqui se apersentando an pertués, pus nessa lhéngua fúrun screbidas. L studo balerá mais pula anformaçon que dá i pul modo cumo pon l porblema, mas que hoije haberie sido screbido doutro modo. Assi i todo cuido que puode ajudar a poner l porblema an carriles ciertos i a stablecer la giografie de l fenómeno, cula ajuda de toda la quadrilha, que poderá dezir adonde el se passa. Publica-se an bários cachos para melhor lheitura.

Amadeu Ferreira




INTRODUÇÃO


Este é um caso que caracteriza o mirandês, embora tenha sido salientado a propósito do sendinês porque se considera que o fenómeno assume aí maior regularidade. Porém, tem-lhe sido dada pouca importância, a ponto de não aparecer nas características gerais do mirandês, talvez porque esteja ausente do mirandês central. Só Manuela Barros Ferreira o fez, na esteira de Maria José Moura Santos, ao considerar essa como uma característica do asturo-leonês, nomeadamente do sanabrês. Esta referência atesta a importância que este aspecto tem para o mirandês e poderá levar, inclusive, a indagar de eventuais colonizações sanabresas em algumas zonas de Miranda. Daí que se exija um estudo mais alargado, para além do sendinês.

O fenómeno não é uniforme e devem distinguir-se as várias situações, para permitir uma análise mais global e, quanto possível, exaustiva na apresentação dos dados, para depois poder retirar conclusões.



I - PONTO DA SITUAÇÃO DOS ESTUDOS ANTERIORES

1. José Leite de Vasconcelos

Este autor apresenta o problema, pela primeira vez (Estudos de Philologia Mirandesa, II, p. 37): “Outros pronomes interessantes são: esto, e ... comeyo (“comigo”) e cunteyo (“comtigo”), onde eu disse que elles correspondiam aos antigos pron. port. mego, tego, comego; não sei porém se esta afffirmação é exacta, poisque encontro nos meus cadernos tambem ameio (ameyo?) <>feio (feyo?) <>g secundario (isto é, nascido de c latino depois de vogal palatal: amicu- < amigo < ameio; outro exemplo d’esta syncope está (sem fallar em fieira, «figueira»), em dia («diga» <>díã <>

Na mesma obra, poucas páginas depois, (p. 40, nota 4) refere: “Parece que o i d’esta palavra (refere-se a Domingo), e em cumtiio, se pronuncia differentemente do i ordinario, talvez tendendo para e; mas nada posso agora adeantar a isto. Terão alguma relação com esse phenomeno as fórmas cunteyo, comeyo, ameio e feio, por “comigo”, “comtigo”, “amigo”, “figo”, citadas a cima? Nem o i da primeira palavra será rigorosamente i nem o e nas segundas será e.”

Por fim, conclui (ob. cit. II, p. 338): “O –g- < -c- está em sendinês representado pela semi-vogal y, igual ao y mirandês; ex.: fiyo <>comiyo <>i de mihi (vd. I, § 54-b). Ficam assim interpretadas as fórmas que cito neste volume, p. 40, nota: o primeiro i que ahi se lê em amiio, cumtiio, e o e que se lê em cunteyo, comeyo, ameio e feio tem o mesmo valor, - o qual é i = e. Essas palavras podem escrever-se cunteyo ou cuntíyo, etc.”



2. José G. Herculano de Carvalho

Deve-se a este autor a primeira abordagem global do fenómeno, seguindo as observações já feitas por J. Leite de Vasconcellos. A ele se deve uma clara documentação sobre a extensão do fenómeno que permite caracterizá-lo sobretudo como um fenómeno raiano, embora as suas observações se centrem em Paradela. Estamos ma primeira metade dos anos 50 do século XX. É particularmente importante o que refere em Fonologia Mirandesa I, pp. 26-29. O mesmo autor já tinha referido o problema em Coisas e palavras. Alguns problemas etnográficos e linguísticos relacionados com os primitivos sistemas de debulha na Península Ibérica, Coimbra, pp. 204-206.

Numa nota da p. 28 o autor refere que o fenómeno é frequente em Sendim (e diz que também se dá noutras regiões de Portugal), mas não o aborda porque essa localidade não constitui objecto do seu trabalho. A forma como introduz o problema é a seuinte: “Como bem viu Leite de Vasconcelos, à palatalização do k, nas circunstâncias acima vistas, encontra-se intimamente ligado um fenómeno que afecta o fonema sonoro que lhe corresponde: a sua frequente supressão depois de um i. Isto é, a palatalização do g, aliada ao seu carácter fricativo, produziu uma maior assimilação da consoante ao [ĭ] anterior, transformando-se num [i] que por vezes deixa de se pronunciar.” (p. 28). E acrescenta: “de Malhadas, de Ifanes e de Prado Gatão não possuo nenhum exemplo deste fenómeno.” (p. 28)

Por fim, apresenta uma dupla lista de palavras observadas em Paradela: uma primeira em que o -g- é precedido de -i- (trio, alfandia, antio, antia, antiamente, dio, barria, aila); uma segunda em que o -g- é precedido de -u- (yeua, aua).



3. Maria José Moura Santos

Maria José Moura Santos passa pela Terra de Miranda poucos anos depois de J. Herculano de Carvalho e alarga as observações deste professor, detectando o fenónemo em Sendim, Constantim, Paradela, Peinha Branca, Águas Vivas e São Pedro da Silva. Atenta a observação conclui que se trata de um fenómeno da periferia da Terra de Miranda: “Leite de Vasconcellos considerou este processo próprio do sendinês, mas, como se vê, encontra-se também noutros pontos (todos marginais) da Terra de Miranda; também o registou fora de Sendim, especialmente em Paradela, o Prof. Herculano de Carvalho.”

Penso que pertencem a esta professora mais duas observações fundamentais. A primeira de que se trataria de um traço do asturo-leonês: “Foi ainda notado em povoações sanabresas pelo Prof. Krüger. O carácter conservador do sanabrês e a distribuição, dentro do mirandês, em zonas marginais, faz pensar que se trata de um fenómeno bastante antigo dentro do leonês, que foi talvez outrora mais extensamente representado. É interessante juntar ainda que o mesmo facto se verifica noutros falares portugueses geralmente conservadores.”. A segunda observação, de que se trata de um trata arcaico do mirandês, que já terá sido mais frequente e tem vindo a desaparecer, salvo em Sendim (p. 196). Conclui que o Sendinês “representa duma forma sistemática factos que só se encontram menos generalizados no chamado mirandês raiano” e que “Estes traços permitem pensar que se trataria de traços antigos dentro do mirandês, conservados ainda um pouco em toda a zona raiana mirandesa, mas mais especialmente em Sendim, povoação com uma certa supremacia económico-social, portanto talvez menos tributária de outras e consequentemente menos exposta a influências exteriores”. (p. 383-4)

A mesma autora dá os seguintes exemplos: trio (Const., Parad., Peinha Branca), stria (Par.), formia (Const., Paradela, Sendim), fiura (Constant.), nueira (Const.), fíado (Sendim), sartialho (Sendim), barria e rue (Sendim), fio, fieira (Sendim). (pp. 195-196):



4. Manuela Barros Ferreira

Manuela Barros Ferreira tem em conta (A limitrofia do Sendinês, p. 41), pela primeira vez, os dados fornecidos pelos estudos anteriores e avança com uma conclusão que é inovadora e revolucionária, mas de que, até agora, ainda não foram retiradas as devidas consequências: “A inexistência no sendinês do lh inicial asturo-leonês, proveniente de l- é de certo modo “compensada” pela presença de um outro traço, asturo leonês ou, mais exactamente, da Sanábria: a queda do –g- intervocálico que se observa sobretudo quando é precedido de i ou de u – assim trigo, espiga, estriga, barriga, nogueira, ruga.”


Amadeu Ferreira

[cuntina]

2 comentários:

  1. A la lista de pobos adonde se sabe que cai l "g" de Maria José Moura Santos ten que se acrecentar Cicouro segundo ua aterbençon que fizo Thierry. Assi la lista será Sendim, Constantim, Peinha Branca, Águas Vivas, São Pedro da Silva, Paradela e Cicouro.

    Queda por cunfirmar se la própia poboaçon Bal d´Aila reconhece la placa toponimia que stá a la antrada de la aldé[ó cuido que hai ua placa cerca de l cruzeiro ne l meio de l pobo].

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  2. Buonas tardes,
    isso parece haber sido sacado dal lhibro "os falares fronteiriços de Tras-os-Montes", an que acho qu'eilha nun passou por Cicuiro. Pul menos, nal lhibro acho qu'eilha nun fala desse pobo.
    Mas si se puode acrecentar Cicuiro a la lista, pus cume ya dixe mie mai diç "fiyura", lembra-se d'oubir dezir a bielhos "cuntiyo".

    Mas la cousa sta mui antersante purque dende pudemos sacar ua regla que ye essa :

    g entre i-ŭ : passa a ser y. *
    g entre u-a : zaparece. **

    * : fiyura, amiyo, triyo, ...
    ** : aua, rua, yeua, ...

    Tamien aparece isso en lhionés adonde hai las dues formas seguientes : llueu i lluegu. Mas nal nuosso caso "lhougo" nun zaparece purque stan antre dous ŭ.

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