segunda-feira, 7 de março de 2011

O Caso do artigo "l" e dos apóstrofos perdidos


Li com tanto interesse a discussão acerca do artigo "l" que resolvi largar o cómodo lugar de leitora para intervir aqui no blogue enquanto ainda me lembro de como as coisas se passaram entre 1994 e 1999. Começo por agradecer a todos as lições que me têm dado: não sou mirandesa, por isso só convosco, mirandeses, posso aprender algo sobre a vossa língua.

Em foco, a crítica de Ana Maria acerca dos exemplos "l'aire" e "bi'l gato" da p. 29 da Convenção. Críticas deste género são absolutamente essenciais para se poder melhorar, em todos os sentidos, a Convenção Ortográfica. Os exemplos citados são, de facto, causadores de confusão. Por isso, lamento não ter reparado em tal em devido tempo, isto é, há uns 13 anos... Venho, no entanto, chamar a atenção para a frase em que eles aparecem pela primeira vez e que é: "O artigo l faz corpo com as vogais que o rodeiam, iniciando a sílaba da palavra seguinte (l'aire), ou fechando a sílaba da palavra anterior (bi'l gato) (...)". Se nesta frase não se tivesse usado o apóstrofo, essa ligação não ficava clara, sobretudo para um não-mirandês:" l aire" podia ser lido como "le aire" e "bi l gato" como "bi le gato"; e se tivéssemos juntado o artigo à vogal mais próxima - "laire" e " bil gato"- , aí incorreríamos noutro erro ainda mais grave, colando o artigo não importa a que palavra. Não nos ocorreu explicar, in loco, que esse apóstrofo não se destinava a ser utilizado na escrita corrente, confiados em que o próprio quadro dos artigos, que aparece na mesma página, seria suficientemente explícito: nesse quadro não há apóstrofo no artigo masculino. Tão pouco é mencionado o artigo masculino na parte especificamente dedicada ao apóstrofo, na p. 27. Porém, como é evidente, estas explicações que agora dou não invalidam o facto de os citados exemplos causarem, realmente, bastante confusão.

Contudo a principal questão levantada pela Ana Maria diz respeito precisamente à exclusão do apóstrofo no artigo masculino: porque é que ele só aparece no artigo feminino, e não nos dois, como acontece no francês? Concordo com a resposta já dada por Fir, mas gostaria de acrescentar algo mais, por isso retomo o assunto.
Tal como disse Fir, a resposta está na própria função do apóstrofo, que é a de indicar que, no sítio onde ele surge, foram elididas uma ou mais letras. Em francês, sendo os artigos "le" e "la", o apóstrofo pode ser utilizado em ambos. Porém, em mirandês, se o artigo feminino tem vogal explícita, que pode ser elidida, o artigo masculino "l" aparentemente não tem nenhuma. Acontece porém que este artigo mirandês que hoje representamos por "l" provém, não de "lo", mas sim de "el". Assim sendo, o apóstrofo, a ser usado, teria de ocupar o lugar do "e", e teríamos, então, 'l e não l' (como acontece no artigo feminino).
Em mirandês, palavras como "delgado" pronunciam-se com E fechado: em geral, a presença de um L em fim de sílaba átona origina a redução do E. É por isso que, na minha opinião, se pode dizer "îl gato" ou "âl gato", de acordo com a tradição de cada lugar: ambas as formas são variantes reduzidas do mesmo "el" subjacente. Além disso, como já se viu (bi l gato...) essa vogal, agora fechada, do artigo "l", desaparece de todo quando este é precedido por outra vogal. Assim, o artigo mirandês tem dois tipos de variação de pronúncia: uma, contextual, segundo o lugar e a forma das palavras envolventes, e outra, de ordem geográfica.
É de lembrar ainda que, antes da Convenção, os escritores da língua mirandesa usavam indiferentemente 'l e l', sem qualquer critério. Foi por tudo isto que se renunciou ao apóstrofo: a opção pelo "l" simples era a que melhor se adaptava às variações contextuais da pronúncia, não dando origem a erros involuntários. Verificou-se, na prática da escrita, que essa solução funcionava perfeitamente enquanto convenção gráfica, embora pareça um tanto forçada nos sítios onde se diz "âl". Para colmatar esta lacuna, uma solução seria reconstituir o "el" cuja memória se perdeu, como foi feito em relação aos ditongos "ie" e "uo".
Porém isso vem alterar demasiado os hábitos entretanto adquiridos. Vós sabereis conciliar tudo, estou certa - e muito feliz por ver o extraordinário interesse que manifestais pelas coisas da língua.
Até à próxima.
Manuela Barros Ferreira


8 comentários:

  1. Buonas nuites, Sra Doutora,

    Ls Mirandeses só puoden recunhecer, tengo la certeza, todo l mérito que custitui l trabalho que cheguestes a realizar a fabor de la Lhéngua Mirandesa cumo tamien l antresse que cuntinais a mostrar an relaçon a esta lhéngua que só puode ser tamien la buossa afinal.
    You, an relaçon a esse lhibrico formidable que representa la Cumbençon i que ajudestes a redigir, Sra Doutora, cunjuntamente cun mais outras pessonas, muitas deilhas specialistas i mirandesas de ourige, yá cheguei a dezir i a screbir tamien, i yá nun ye d’agora, ne l curso de Mirandés que Amadeu Ferreira aperpuso an linha, todo l bien que pensaba dessa obra que permite fixar las regras de scrita de l Mirandés, sabendo qu’inda hoije me faç a mi por eisemplo inda muita beç falta cunsultá-la mas siempre cun muito gusto porque ye sóbria, clara, bien ourganizada i cuntén l eissencial (ou pul menos l mínimo) que ye absolutamente neçairo saber.

    Quanto als artigos defenidos i a la maneira de ls ourtografar, cuntino a pensar que se you nun fusse tamien falante de francés nun sentirie probablemente tanto la necidade de amentar ne l caso desse artigo que se scribe cun apóstrofo i que tamien eisiste an francés afinal mas cun critérios por acaso an parte defrentes. Palabras que assi se scríben an francés (ex : l’air, l’animal, l’indien, l’Islam, l’or, l’apostrophe, etc), por cunseguinte cun apóstrofo, ténen que ser screbidas mas sien l apóstrofo an mirandés, yá que son todas eilhas masculinas:
    L aire, l animal, l índio, l Eislon, l ouro, l apóstrofo, etc.
    Esta defrença eisige cuncentraçon, talbeç inda mais de la nuossa parte, nós que stamos tamien muito aquestumados a screbir an francés i a usar muito l apóstrofo, até ne l caso de l artigo. I claro aparece la pregunta que you cheguei a fazer: nun serie possible tornar la regra mais simpres an mirandés yá que la maneira de pernunciar « l » i « l’ » nesta nuossa lhéngua ye afinal la mesma? An Sendin por eisemplo, la pernúncia neste caso até se reduç a un fonema: aquel que andicais na p. 14, dando cumo eisemplo: L perro.

    I quanto a l’ourige de ls artigos defeninos an mirandés, dezis, Sra Doutora que « l » ben de « el » ; podemos dezir tamien que ben, cumo todos ls artigos defenidos, de ls demonstratibos lhatinos: « ille » ne l nominatibo (ne l caso de « l ») i « illam », « illas » ne l acusatibo (ne l caso de « la » i « las »). (Histoire de la Langue Portugaise, Paul Teyssier, Que sais-je?, p.20)

    Personalmente nun acho que serie ua soluçon recunstituir l « el » cumo transcriçon de l artigo defenido na medida an que eisiste yá la grafie « el » para l pornome personal de la terceira pessona de l singular, ne l masculino. L risco de cunfuson serie anton inda mais grande.

    Cun toda la mie stima i cunsideraçon.

    Ana Maria Fernandes

    ResponderEliminar
  2. Prezada Ana Maria
    Vejo que me trata cerimoniosamente demais. Se continuarmos esta troca de correspondência, estou certa que acabaremos por nos familiarizar uns com os outros e deixar os títulos, que são como o hábito do monge que não faz o monge...
    Voltando ao artigo "l": penso que nenhum "el", seja ele artigo seja pronome, seja ele mirandês, seja espanhol, catalão ou romeno, provém do nominativo ille, mas sim do acusativo illum, tendo provavelmente passado pela fase "elo" ou "lo". Neste momento estou precisamente a estudar o assunto dos artigos e da sua relação com o pronome demonstrativo e pessoal da 3ª pessoa. Porém, no que se refere ao mirandês, faltam-me ainda exemplos convincentes da utilização de "lo" enquanto artigo, ou seja, precisava de frases ditas por pessoas de idade em que "lo" só possa ser considerado como artigo e não como pronome demonstrativo neutro. É de notar que "lo", enquanto demonstrativo neutro (que registei em Constantim, por exemplo) também falta na Convenção, tal como o artigo masculino plural "los" - de cuja existência não resta a menor dúvida. Se alguém me puder auxiliar nesta busca, eu agradecia muito.
    Manuela Barros Ferreira

    ResponderEliminar
  3. "Nun yê qu'andamus tras lu deñeiru, mas sabes tamiên fai falta [...]"

    N'ua cunversa antre you y ua tie de Samartinu na ruga las Cabiancas n'aqueste ultimu branu de 2010.

    Fui la unica veç qu'oubie "lu" cume sendu articlu. An llionés depende las zonas. Sei qu'hai varius llugares maragatus onde habie l'articlu "lo" y an outrus llugares habie un "lu".

    Pur issu yê que pra mi l' y 'l tenen sentidu, pus nos assi falamus y nun hai que buscar mas loinge !


    Para Ana :

    illum dou llu/llo an ciêrtas partes de la region de llion.
    Y tamiên : lu/lo, el/âl.

    Y dende an mirandés tenémus : âl, lu, l, âls, lus, ls.

    Hai eivoluçones eidenticas ende an Tuluze cu l'occitan.

    Referencias :

    El dialecto vulgar leonés hablado en Maragateria y Tierra de Astorga, Santiago Alonso Garrote, 1947.

    Dialectologia Española, Alonso Zamora Vicente, 1960.

    Cuentos en dialecto leonés, C. A. Bardon, 1955.



    Tiégui.

    ResponderEliminar
  4. Buonas nuites, Amigos,

    Será que l que ancuntrei tamien ne l lhibro de que bos bou a dar la refréncia, yá algo bielho assi i todo, nun mos puode tamien ajudar yá que ende se fala de muitas lhénguas neo-lhatinas antre las quales l pertués, l spanhol, l francés antigo, l oucitáneo, l eitaliano i l romeno antre outras mas nó de l mirandés cumo era de sperar assi i todo ?

    Initiation au système de la langue latine : du latin classique aux langues romanes (1er siècle avant J.-C. – VIII e siècle après J.-C.), Pierre Bouet, Danielle Conso, François Kerlouegan, Editions Nathan, 1975. Estes porsores ansinában filologie clássica na Ounibersidade de Besançon ne l caso de ls dous purmeiros i lhatin na Ounibersidade de Caen ne l caso de l terceiro.

    1)p.136 : l demonstratibo « ille » (ne l nominatibo masculino singular) dou ourige als pornomes personales : « ele » an pertués, « elle » an spanhol antigo i « el » an oucitáneo. A mi parece-me anton que debe de ser possible dezir l mesmo para l nuosso pornome « el » mirandés.

    2)p. 139, « C’est à l’époque romane que se situe la création de l’article : la langue parlée multiplie, en effet, les emplois des démonstratifs « ille » et « ipse » avec une valeur si affaiblie qu’on peut les considérer comme des « articloïdes »[...]
    Ye depuis desta splicaçon que aparece un quadro (Tableau des articles romans), p. 140, que andica que :
    - ls demonstratibos de l lhatin tardiego « ille / illi » dórun ourige als seguintes artigos: « li » an francés antigo, « el » an spanhol, « il » an eitaliano i « al » an romeno.
    - L demonstratibo « illum » (ne l acusatibo) dou : « lo, le » an francés antigo, « elo, lo » an spanhol, « o » an pertués, « lo » an oucitáneo cumo tamien an eitaliano.

    Esto sugere alguas eideias mas tamien anterrogaçones:
    - Será que l artigo “al” de que fala i que amprega Tiégui, el que ye oureginairo de Cicuiro, ye l mesmo que l « al » de l romeno ou aparecido ?
    -I ls nuossos « l » i "l'" afinal assinalados pula Cumbençon que ampregamos an Sendin por eisemplo donde bénen anton ? De “ille” ou de “illum” ? Dun desses dous demonstratibos ?

    Mas por anquanto nun bos saberei dezir mais que l que ancuntrei hoije nesse lhibro que bos andiquei i que stá na mie biblioteca... zde que andei a studar na faculdade, hai yá un bun par d’anhos agora.

    Cumprimentos

    ResponderEliminar
  5. Corrijo para que todo steia bien claro:
    ...
    - I ls nuossos « l » i « l' » afinal, assinalados pula Cumbençon, que ampregamos an Sendin por eisemplo, donde bénen anton ? De “ille” ou de “illum” ? Dun desses dous demonstratibos ?

    ResponderEliminar
  6. You nun sei. La unica cousa que puôdu dezir yê que na Senabria, an Riballagu tamiên tenen aquesse "al" : al llameiru, al prau,...

    Y qu'an Samartinu si oubie ua veç falar "lu deñeiru". Sabendu qu'eilli tamiên se diç "al" yê anton pussible pensa n'eivoluçon qu'eiqui purpongu :

    illum > llu (?) > lu > al > l

    ResponderEliminar
  7. Continuo aqui com mais umas informações colectadas no livro "Dialectologia Española" de Alonso Zamora Vicente que se pode por exemplo encontrar na FLUP (Porto) :

    p.166-167

    "Al lado del derivado de ille, nominativo (el), el leonés uso el derivado del acusativo : illum > lo (como en gallego y portugués antiguo), moderno o. En el Fuero de Avilés aparecen las dos formas, pero destaca el uso de lo, muy abundante sin preposicion.

    [...]

    Las formas del articlo tratan su vocal atona segun la norma general : el > il (il qui vien tarde 'el que viene tarde'); lo > lu : il tsobu 'el lobo'; lus güeyus 'los ojos'."

    ResponderEliminar
  8. 'Acontece porém que este artigo mirandês que hoje representamos por "l" provém, não de "lo", mas sim de "el" '

    Estou interesado no assunto, tem alguma publicação sobre este facto ? Pois na raya a exemplos contrarios ja aqui mencionados.

    Obrigado

    ResponderEliminar