terça-feira, 8 de março de 2011

L tocador de gaita

Yá muitas bezes tenemos achado escrebido la palabra “gueiteiro”.
Çculpai-me por poner assi de modo cenzielho las questiones, mas yá muita beç quedei sien saber al cierto ...

... “gaita” ou “gueita”? “gaiteiro” ou “gueiteiro”?
Sí se fala “gæiteiro” mas este ditongo nun eisiste na Cumbençon.
Puosto esto, haba quien diga cumo escrebir quando queremos dezir “l tocador de gaita”?
Abraços
Alcides

segunda-feira, 7 de março de 2011

O Caso do artigo "l" e dos apóstrofos perdidos


Li com tanto interesse a discussão acerca do artigo "l" que resolvi largar o cómodo lugar de leitora para intervir aqui no blogue enquanto ainda me lembro de como as coisas se passaram entre 1994 e 1999. Começo por agradecer a todos as lições que me têm dado: não sou mirandesa, por isso só convosco, mirandeses, posso aprender algo sobre a vossa língua.

Em foco, a crítica de Ana Maria acerca dos exemplos "l'aire" e "bi'l gato" da p. 29 da Convenção. Críticas deste género são absolutamente essenciais para se poder melhorar, em todos os sentidos, a Convenção Ortográfica. Os exemplos citados são, de facto, causadores de confusão. Por isso, lamento não ter reparado em tal em devido tempo, isto é, há uns 13 anos... Venho, no entanto, chamar a atenção para a frase em que eles aparecem pela primeira vez e que é: "O artigo l faz corpo com as vogais que o rodeiam, iniciando a sílaba da palavra seguinte (l'aire), ou fechando a sílaba da palavra anterior (bi'l gato) (...)". Se nesta frase não se tivesse usado o apóstrofo, essa ligação não ficava clara, sobretudo para um não-mirandês:" l aire" podia ser lido como "le aire" e "bi l gato" como "bi le gato"; e se tivéssemos juntado o artigo à vogal mais próxima - "laire" e " bil gato"- , aí incorreríamos noutro erro ainda mais grave, colando o artigo não importa a que palavra. Não nos ocorreu explicar, in loco, que esse apóstrofo não se destinava a ser utilizado na escrita corrente, confiados em que o próprio quadro dos artigos, que aparece na mesma página, seria suficientemente explícito: nesse quadro não há apóstrofo no artigo masculino. Tão pouco é mencionado o artigo masculino na parte especificamente dedicada ao apóstrofo, na p. 27. Porém, como é evidente, estas explicações que agora dou não invalidam o facto de os citados exemplos causarem, realmente, bastante confusão.

Contudo a principal questão levantada pela Ana Maria diz respeito precisamente à exclusão do apóstrofo no artigo masculino: porque é que ele só aparece no artigo feminino, e não nos dois, como acontece no francês? Concordo com a resposta já dada por Fir, mas gostaria de acrescentar algo mais, por isso retomo o assunto.
Tal como disse Fir, a resposta está na própria função do apóstrofo, que é a de indicar que, no sítio onde ele surge, foram elididas uma ou mais letras. Em francês, sendo os artigos "le" e "la", o apóstrofo pode ser utilizado em ambos. Porém, em mirandês, se o artigo feminino tem vogal explícita, que pode ser elidida, o artigo masculino "l" aparentemente não tem nenhuma. Acontece porém que este artigo mirandês que hoje representamos por "l" provém, não de "lo", mas sim de "el". Assim sendo, o apóstrofo, a ser usado, teria de ocupar o lugar do "e", e teríamos, então, 'l e não l' (como acontece no artigo feminino).
Em mirandês, palavras como "delgado" pronunciam-se com E fechado: em geral, a presença de um L em fim de sílaba átona origina a redução do E. É por isso que, na minha opinião, se pode dizer "îl gato" ou "âl gato", de acordo com a tradição de cada lugar: ambas as formas são variantes reduzidas do mesmo "el" subjacente. Além disso, como já se viu (bi l gato...) essa vogal, agora fechada, do artigo "l", desaparece de todo quando este é precedido por outra vogal. Assim, o artigo mirandês tem dois tipos de variação de pronúncia: uma, contextual, segundo o lugar e a forma das palavras envolventes, e outra, de ordem geográfica.
É de lembrar ainda que, antes da Convenção, os escritores da língua mirandesa usavam indiferentemente 'l e l', sem qualquer critério. Foi por tudo isto que se renunciou ao apóstrofo: a opção pelo "l" simples era a que melhor se adaptava às variações contextuais da pronúncia, não dando origem a erros involuntários. Verificou-se, na prática da escrita, que essa solução funcionava perfeitamente enquanto convenção gráfica, embora pareça um tanto forçada nos sítios onde se diz "âl". Para colmatar esta lacuna, uma solução seria reconstituir o "el" cuja memória se perdeu, como foi feito em relação aos ditongos "ie" e "uo".
Porém isso vem alterar demasiado os hábitos entretanto adquiridos. Vós sabereis conciliar tudo, estou certa - e muito feliz por ver o extraordinário interesse que manifestais pelas coisas da língua.
Até à próxima.
Manuela Barros Ferreira